Ela estava sentada com seu vestido de "fazer miçanga"
As pernas longas em cima da cadeira da mesa de jantar
Eu detesto a mesa de jantar
Mas gosto um pouco mais quando ela está ali
Ela cortava papéis e cantarolava músicas esquisitas enquanto eu todo desajeitado embrulhava o presente dela que chegou no dia anterior
"Olha só, papai Noel passou mais cedo!"
Ela olhou por cima do ombro ainda se desfazendo da concentração da sua tarefa anterior e sua expressão demorou alguns segundos pra se desfazer.
Com o cenho levemente franzido ela começou um sorriso que terminou com um rosto de criança em manhã de Natal.
Tem sido Natal muitos dias aqui em casa.
Ela fez um barulhinho engraçado e voltou a fazer o que estava fazendo.
Eu fiquei na escada esperando que ela viesse abrir seu presente, ela não veio.
Esperei mais um tanto até que disse "Você não vai abrir?"
E ela: " Mas já pode?"
Mal sabia ela que eu também não conseguia controlar minha ansiedade para assistir sua reação ao abrir o pacote.
[...]
Perdi as contas de quantas vezes ela mudou a cor do cabelo.
Acho que desde que estamos juntos foram 4 ou 5.
Ela estava com a minha camiseta do Ramones e dizia indignada " Você jura que não consegue ver o roxo?"
Não consigo, mas não faz diferença.
Ela é muito bonita, uma pena que ela não partilhe da mesma opinião.
Ela repete incessantemente que me ama faz uns dias, é um pouco irritante.
Talvez seja amor acumulado, talvez ela queira ouvir que também a amo.
Talvez um pouco dos dois, ou nenhum deles.
Como se já não estivesse claro, mais do que eu gostaria de admitir.
Ela não é fácil.
Ela é teimosa, às vezes reclamona, e dependendo do humor ela fica um saco.
Acho que faz parte, nem tudo são flores, ela não poderia ser diferente.
[...]
Ela estava em cima de mim, com aquele par de olhos negros mareados de água salgada.
Brigamos.
Não sei ao certo como, mas brigamos.
Ela segurou em meu rosto com as duas mãos e me pediu "Olha pra mim"
Eu estava olhando, mas talvez não estivesse olhando de verdade, sabe?
Quando a gente busca um ponto fixo perto da pessoa para não ter que encara-la?
Talvez eu me afogasse debaixo daquela maré.
A expressão dela era séria e doce ao mesmo tempo, eu a encarei.
"Eu amo você"
Foi a primeira vez que ela me disse essa frase sem nenhum acompanhamento.
Era o prato principal servido solo, como se o chef acreditasse muito no seu potencial.
Acabou ali.
Eu não tinha mais argumento.
Eu a amava também, mais do que gostaria de admitir.
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